100 anos dos opostos, porém brasileiríssimos

O mês de agosto de 2012 acolhe dois centenários importantes e cheios de polêmicas dentro da literatura, dramaturgia e teledramaturgia do cenário do século XX brasileiro: Jorge Amado e Nelson Rodrigues completariam ambos cem anos de existência. Duas figuras polêmicas que atravessaram a ditadura e eram totalmente diferentes entre si, mas também lançavam um olhar muito próximo para a figura do povo brasileiro e ainda não poupam controvérsias quando o assunto é a análise de suas obras.

Jorge Amado é um dos escritores brasileiros mais traduzidos e representante de uma cultura brasileira no exterior. Era baiano e usou sua terra natal como palco de seus romances que traziam um Brasil transitando entre o arcaico e o moderno, cheio de peculiaridades, mesclando o erudito e o popular de forma primorosa. Como não lembrar das mulheres como Gabriela, Dona Flor e Tieta do Agreste?

Sônia Braga como Gabriela

Talvez um dos grandes motivos do escritor ser bastante conhecido no exterior foi a sua participação e consagração pelo movimento comunista mundial. Como membro do Partido Comunista Brasileiro o escritor, e depois deputado, conseguiu que o culto às crenças fosse permitido, colaborando assim que os terreiros de Candomblé não sofressem mais perseguições. Em 1954, já com notória fama, colaborou para que o escritor Bertold Brecht ganhase o Prémio Estaline, se tornando uma figura mundialmente famosa e distante das mãos do partido que o perseguia.

Em 1955, Jorge Amado sairia do partido comunista e mudaria um poucos a linha de seus textos, passando a não evidenciar alguns esteriótipos dentro da sua ficção. Mas claro que a baianidade – termo que muitos estudiosos consideram criada pelo escritor – permaneceria viva na sua escrita.

Já Nelson Rodrigues nasceu em Recife, mas foi muito cedo para o Rio de Janeiro onde cresceu e tornou-se jornalista. Trabalhou um longo período como repórter policial o que daria o esqueleto para suas crônicas recheadas de homens normais vivendo situações extremas típicas de notíciarios. Mais tarde se tornou cronista de esportes mostrando o amor pelo futebol e especial o time do Fluminense. Mas seria o teatro que identificaria a voz mais forte do anjo pornográfico.

Vestido de Noiva é considerada a peça que trouxe o olhar modernista para dentro do teatro brasileiro. A primeira montagem foi feita pelo polonês Ziembisnki e traduzia muito bem o que viria a ser a carreira de Nelson: um olhar peculiar e sarcástico sobre uma sociedade que estava numa desvairada transformação.

Lucélia Santos como protagonista de Bonitinha, mas ordinária

Nelson Rodrigues, apesar do uso excessivo de elementos escandolosos e imorais, segundo a sociedade brasileira, era também moralista. Acreditava que o escândalo causado pela sua ficção iria reavivar um lado santo das pessoas, tocadas por essas cenas ¨demoníacas¨. O anjo pornográfico acreditava que a dramaturgia poderia trazer de volta alguns valores esquecidos pela modernidade. Afinal, como disse em um artigo no jornal Manchete:

“A ficção, para ser purificadora, precisa ser atroz. O personagem é vil, para que não o sejamos. Ele realiza a miséria inconfessa de cada um de nós. A partir do momento em que Ana Karenina, ou Bovary, trai, muitas senhoras da vida real deixarão de fazê-lo.”

Mas claro que associação do autor com sua obra é sempre perigosa. Há quem acredite ser impossível relacionar a obra de Nelson Rodrigues com a imoralidade ou a moralidade. O fato é que a obra do dramaturgo consegue ir fundo nas questões humanas trazendo o homem em seu limites. O constante afrontamento com os padrões e regras sociais – tais como uso de palavrões, sexo e etc – fizeram ele enfrentar problemas com a censura e certos moralismos, chegando no ponto exato de tocar fundo os moralismos que acusava estarem dispersos.

Ambos os escritores, que sempre foram adorados pela teledramaturgia brasileira, ganham novo fôlego na TV aberta. Remakes e novas tentativas de adaptação deixam claro que esses dois centenários, detentores de um ohar bem brasileiro, continuam atuais e independentes de suas visões políticas.

Nelson Rodrigues e Jorge Amado viam a essência dos homens dessa terra, que eram despidos das fantasias colocadas apenas sobre uma unidade do povo brasileiro, mas sim de humanos controversos quanto à sua essência. Criticavam a sociedade e política de sua época usando situações muito próximas do reais, os identificando de certa forma e tornando suas obras sempre atuais.

As raridades da Joaquim – Parte 1

Já falamos sobre o prazer de colecionadores de vinis terem edições raras em mãos. A ótima sensação de ter algo que existiu em um outro momento, num contexto diferente do nosso e que guarda várias histórias é indescrítivel. Hoje vamos falar de edições raras de livros que, talvez mais que os vinis, carreguem em suas páginas o peso e as marcas do tempo e até a certeza de que esse objeto-livro não vá ter um fim tão breve.

Já passaram por nossas preteleiras várias preciosidades, algumas chegaram até nós e outras encontramos em situações diversas. Não importa. Hoje, elas estão aqui para serem apreciadas e quem sabe, irem parar em mãos tão empolgadas quanto às nossas.

Para começar nada como um bom e antigo personagem curitibano, que anda pela sombra do dia, se esgueirando pelas ruas do Alto da Glória e Centro da capital paranaense: o vampiro Dalton Trevisan. Nascido em 1925, muito cedo começou a escrever e ainda na adolescência colaborava com textos em jornais. Na década de 40 inicia um projeto ousado para os moldes curitibanos da época, o jornal literário Joaquim – influência para nosso nome – que contava com grandes nomes de crítica, tradutores e ilustradores como o grande parceiro de Dalton, Poty Lazzarotto.

O primeiro lançamento oficial e nacional de Dalton Trevisan foi somente em 1959 com o Novelas Nada Exemplares, pela editora José Olympio. Mas antes dessa data o escritor já publicava as famosas brochuras com seus contos que com o passar das décadas foram sendo renegadas pelo próprio autor. Os dois primeiros livros 7 anos de Pastor e Sonata ao Luar até são compreensíveis de sumiço, como disse o professor e escritor Paulo Venturelli ao Jornal Cândido de número 11, o autor ainda não encontrara sua própria voz.

Os dois volumes que temos aqui, O Ponto de Crochê (1959) e o Anel Mágico (1964), não fazem parte dessa fase pré-publicações oficiais. Dalton Trevisan, na sua última entrevista com o também escritor Luiz Vilela, em 1968, antes de se refugiar no se próprio castelo, afirma que o conto era a forma mais moderna de se contar histórias. Mas sempre fora insatisfeito com sua própria escrita, essa a causa talvez de renegar tanto alguns trabalhos, como esses que hoje temos em mãos. Dalton reescreveu alguns de seus contos afim de aperfeiçoar seu trabalho e as duas brochuras de época são formadas por contos que acabaram se transformando com o tempo e se agregando aos livros do escritor. Paulo Venturelli ressalta que essa característica de reescritura de Trevisan é necessária, já que hoje, para ele, há muitos textos flácidos e gordurosos na literatura, pedintes de revisão.

Claro que para Dalton não é nada interessante ter as primeiras tentativas de um conto circulando por aí. Que tipo de perfeccionista gostaria de ver seus rascunhos renegados disponíveis à qualquer pessoa? E é justamente aí que reside a mágica de folhear e ler os dois pequenos livretos que carregam as Marias e Joãos da Curitiba perdida de Dalton. É bastante interessante observar como o escritor com o tempo foi enxugando sua narrativa a ponto de encontrar as descrições e falas exatas para seus personagens. Muito além de obras raras, as duas brochuras são provas do trabalho inquieto de um escritor ativo por mais de 50 anos.

Trecho de livro raro de Dalton Trevisan

A Livraria e Editora Garnier, no Rio de Janeiro, foi responsável por quase um século por grandes e primeiros lançamentos no mercado brasileiro, ainda pequeno no século XIX. Foram os primeiros a editar Machado de Assis e por ampliar um mercado editorial que era essencialmente português. Além dessa ampliação de mercado, a Garnier passou a trazer edições nacionais de grandes nomes europeus, como é caso dos três Tomos relacionados ao poeta português Manuel Maria Barbosa du Bocage.

Bocage foi um poeta de fama mítica que apesar de escrever bastante sobre si não se tem muita certeza de como foi sua vida. Viveu no período de transição entre o Arcadismo e Romantismo da literatura portuguesa. Viajou muito e se envolveu com problemas da Inquisição por conta do que escrevia e de sua vida boêmia, que nesse período acabou dando um gás em traduções e estudos. Considera-se que o período pós-prisão seja o mais prolifico de sua carreira.

No Brasil, a obra de Bocage sai pela primeira vez em três tomos intitulados de Manoel Maria du Bocage: excerptos: seguidos de uma noticia sobre sua vida e obras, um juizo critico, apreciações de bellezas e defeitos e estudos de lingua, organizado pelo jornalista português José Feliciano de Castilho de Barreto e Noronha, que vivia por aqui. A trilogia da obra fazia parte de uma coleção intitulada Livraria Clássica, com os principais escritores da ¨boa nota¨.

Observe nas foto que a edição é a própria de 1867, um dos pontos altos dos tomos é justamente a língua portuguesa de época e os padrões de edição que seguiam os moldes europeus. Os três livros são imponentes mostrando que na época além do valor de conteúdo da obra, o livro deveria ficar muito bem nas estantes de bibliotecas particulares.

Você já parou para pensar como um livro pode permanecer imponente por séculos e assim guardar cada passagem do tempo, incluindo a língua e contextos de época? Quantas histórias o interior e o exterior do livro guardam? O cheiro, as ações do ambiente no papel, tudo faz parte e compõe uma história, admitimos que a gente adora isso.

Mas você não achou que iriamos entregar todas as preciosidade de uma vez só, né? Aguarde que tem muitos personagens de nossas estantes esperando para contar sua história.

A Literatura Musical

Literatura e música podem andar juntas? Ou melhor, a literatura como arte canônica pode estar presente nas bandas que você escuta no rádio? Para o colunista Dorian Linksey, do jornal britânico Guardian, a poesia está mais presente do que você imagina enquanto cantarola David Bowie ou Radiohead.

Dorian fez um texto inspirador sobre a influência do poeta T.S. Eliot em várias bandas de rock e pop de sucesso. Justamente um dos poetas que mais tarde renegaria a modernidade deixou um trabalho carregado do zeitgeist do século XX. Tanto que as referências vão desde os anos 80 como Floorshow, do Sisters of Mercy, passando pelo Radiohead dos anos 90 e o barulhento Paranoid Android, até o mais recente álbum da inglesa P.J. Harvey, Let the England Shake, que não deixa tão clara a sua influência mas que tem letras muito próximas dos versos de The Waste Land.

T.S. Eliot, um americano que se tornou cidadão britânico mais tarde, surge para nós, latinoamericanos, como um poeta mais erudito e pouco traduzido. Mas ele é extremamente popular na Inglaterra, onde é ensinado nas escolas. O seu poema The Waste Land é repleto de versos fortes que remetem ao período desolador do pós-guerra, frases inspiradoras para momentos de contracultura e a força que o rock and roll precisaria décadas depois.

Aliás, são justamente obras e escritores com forte ideologia e carregados de sentimentos, os mais inspiradores para boa parte dos compositores. As distopias por exemplo – livros como 1984, de George Orwell e Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley – são um prato cheio para letras que discordem da modernidade, da manipulação da mídia, do tecnicismo e a ordem econômica mundial. David Bowie tem a 1984 (com o refrão grudento), Big Brother e muitas outras canções baseadas na obra de George Orwell, para citar apenas um escritor.

Qual fã de Rolling Stones, ou que simplesmente tenha visto o filme Entrevista com o Vampiro, não sabe cantorolar Sympathy For The Devil ? A letra, que já sofreu uma série de preconceitos e acusações da banda ter parte com o tinhoso, é simplesmente baseada num romance do russo Mikhail Bulgakov, O Mestre e Margarida, que trata de tramas centradas na visita do Diabo na Rússia dos anos 20.

Bandas clássicas de rock sempre leram muita literatura para construir letras marcantes. Led Zeppelin, em 1971, lança o Led Zeppellin IV com muitas letras baseadas na obra de Tolkien – trilogia do Senhor dos Anéis – que era uma leitura bastante básica nos anos 60 e cabia muito bem no estilo psicodélico e cheio de simbologias da banda.

A verdade é que não é nenhuma novidade a literatura e a música serem extremamente ligadas uma a outra. Esqueça qualquer pensamento que remeta à letras mais populares e pense naquelas que realmente trazem algum sentido, uma revolta ou mesmo um sentimento que nos toque. Provavelmente você goste muito de alguma letra de música que remeta à alguma obra, poesia ou escritor. Um enredo marcante, um personagem ou um simples verso de uma poesia podem permanecer por muito mais tempo vivas através de uma balada sonora ou distorção de uma guitarra.

Confira outras cinco músicas que talvez você não saiba que são inspiradas em obras:

Ramones Pet Sematary : Sim, a clássica música dos reis das três notas é baseada no romance de terror do Stephen King.

The Cure Killing an Arab: Esqueça o preconceito que esse título pode causar, ele vem de um dos romances mais conhecidos de Albert Camus, O estrangeiro. A trama trás um homem em busca da sua própria existência e para se sentir vivo talvez ele precise matar alguém/

Iron MaidenLord of the Flies: O Heavy Metal é um dos estilos mais adeptos à obras literárias e o Iron Maiden tem inúmeras referências. Essa tá fácil, né? Letra baseada no clássico Senhor das Moscas, de William Golding

The Velvet UndergroundVenus In Furs: A sensual canção da banda é sobre os dois personagens principais do romance de mesmo nome de Leopold Von Sacher-Masoch, de quem herdamos o termo ¨masoquista¨.

Radiohead2+2=5 : Thom Yorke não leu somente T.S. Eliot. Para essa incrível música ele leu nada menos que 1984 do George Orwell.

*Em breve faremos um especial de música brasileira.

Incentive alguém a ler!

Em 1996, a UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) definiu como 23 de abril o Dia Mundial do Livro e, mais tarde, também dos Direitos Autorais. Esse dia foi definido por conta de uma crença de que os contemporâneos William Shakespeare e Miguel de Cervantes morreram nessa mesma data mas sabe-se que os dois países – Inglaterra e Espanha – seguiam calendários diferentes na época e de que muitas informações sobre o inglês Shakespeare são extremamente confusas.

Mas claro, o bacana mesmo é poder ter um dia para voltar os olhares para as práticas de leitura e assuntos relacionados ao livro, seja ele como o objeto físico, produção literária, as campanhas de leitura e etc. Talvez hoje, fazer uma imagem com incentivo à leitura pareça algo bem banal, basta um conhecimento básico num editor de imagem e pronto mas e campanhas que realmente incomodem, façam rir e levar as pessoas pensar sobre os livros?

O Brasil tem uma história relativamente jovem em relação à produção livreira – por quase 140 anos – e em se tratando de leitura é menor ainda, sendo que boa parte da população era analfabeta até a metade do século passado. Hoje, o incentivo à leitura virou uma frase de ordem e a internet também ajuda bastante para que as campanhas se popularizem em grande velocidade.

Então, sem muitas delongas, separamos algumas imagens de campanhas à leitura em muitos momentos da história, incluindo o presente. No período da Guerra Civil na Rússia (1918 – 1922) circulavam uma série de cartazes colocando o livro como grande protagonista do socialismo. Observe a força do livro nas imagens:

¨Cuide de seu livro. Ele é um verdadeiro companheiro, nas batalhas e na paz¨
¨Das trevas à luz, da batalha aos livros, da tristeza à alegria¨
Livros durante cindo anos

Cerca de duas décadas depois os Estados Unidos criavam incentivos à leitura devido a Grande Depressão e a apatia que a população sofria com a falta de empregos e dinheiro. Observe que são imagens tipicamente de propaganda americana, nada mal se circulassem ainda hoje, né?

¨Em março leia os livros que você sempre quis ler¨

Ainda comentando o período entreguerras americano e como a propaganda de guerra surtia efeito na população o consultor de internet Philip Bradley subverteu alguns cartazes clássicos das campanhas em favor do projeto Save Libraries. Os resultados ficaram mais do que bacanas! Imagina a quantidade de dinheiro bem gasto seria usado na época para esse fim?

¨A biblioteca precisa de VOCÊ!¨
¨Esqueça o almoço, estou indo sentar e ler!¨ Ela usa sua biblioteca e você?

E para não achar que só de passado vive as campanhas de leitura, separamos algumas campanhas bem recentes e extremamente criativas de incentivo à leitura. Muita organizações, editoras e, claro, livrarias empreendem campanhas excelente de incentivo. Espalhe por aí essas campanhas! Convença alguém perto de você a ler mais!

Quando uma criança não lê, a imaginação desaparece

Campanha da livraria Mint Vinetu
Campanha Russa falando que o que faz mal mesmo é não ler

Atores de Harry Potter incentivando a leitura

FELIZ DIA DO LIVRO

Minha classe gosta Logo é uma bosta

¨pequeno nos contos, enigmático no romance, dogmático nos ensaios, toupeira na poesia, escrachado no Haikai e torrencial na verbosidade do ainda indefinido Catatau¨

Essa é uma breve definição do pesquisador-leminskiano Ildefonso Mello, um dos membros do Grupo de Estudos Catatau, que se encontra no SESC Paço da Liberdade, em Curitiba, para se debruçar sobre a obra do tudoaomesmotempo Paulo Leminski.

Muito se pode dizer da existência de grupos pesquisadores que se levam bastante a sério fora da academia e o Grupo de Estudos Catatau é um desses. Em terças-feiras alternadas desenvolvem um estudo muito pertinente na obra completa de Leminski onde um dos objetivos centrais dos encontros é elaborar uma metodologia para escrever um livro sobre a obra do escritor. E isso sem lançar mão das questões da importância dessa obra hoje ou da figura do escritor como mito dentro das livrarias, sebos e meios literários.

Toda a produção de Paulo Leminski é objeto de estudo. Desde as traduções em várias línguas – lembrando que ele já traduziu desde o japonês de Mishima até o latim de Petrônio – poesia, haicais, artigos de opinião, música e colaboração do escritor em meios de grande circulação como zines, suplementos e jornais.

Numa pesquisa tão minuciosa, de um homem que estava o tempo todo produzindo ou se envolvendo em algo, é claro que surgem algumas produções inesperadas ou que não tenham tido tanta atenção na época. É o caso de um texto intitulado Minha classe gosta logo é uma bosta no suplemento cultural Raposa Magazine, que circulava na década de 80 e que Paulo Leminski colaborou, sendo a primeira essa de edição número 0 em que ele assina a capa que foi publicada em dois momentos. Um texto divertido sobre a raposa, uma bela introdução do que seria o suplemento durante 12 edições recheadas de bons autores e ilustradores.

Considerada uma novela, Minha classe gosta logo é uma bosta saiu em novembro de 1981 e hoje é bastante rara. O texto traz a voz do Leminski inventivo, rápido, pouca pausa e atirando para todo o lado. Uma crítica ferrenha a sua própria geração e no que ela se transformaria num futuro próximo. Leminski abusa das referências e, brincando com o subtítulo la capitulação de um nuvô romã, segue à risca as atitudes do movimento francês Nouveau Roman em quebrar todas as ligações com a escrita clássica.

School is out forever, grita a contracultura, a escola acabou para sempre, e soa engraçado num país que ainda não teve escola para todos. Colonizados até os ossos. O colonizado importando tudo – até a revolta contra a metrópole.

Permissividade anárquica. Contra o horário. O salário. O emprego. A carreira. A gravata. O cabelo curto. O serviço militar. A caretice.

Slogan. Um homem sempre certo, quanto ao principal. Um homem pânico. Privada Joke. Um homem pálido de anos e anos num país sem sol, a História da Literatura Universal. Pisa de leve sobre o chão da cidade que viu nascer, crescer e negar. De leve, bem leve. Quase voando. Minha poética por uma política!

Mesmo que esse texto, do inicio da década de 80, tenhas suas particularidades bem Leminskianas, ainda faz parte de um número de escritos que circulam fora do eixo comum das obras de Paulo Leminski. E isso já prova mais um pouco das propostas, bastante únicas, desse curitibano que já nessa época era multimidiático (veja o que já escrevemos sobre ele e o grafite)

O Grupo de Estudos Catatau também tem encontros abertos ao público, então se você tem algum material, comentário ou simplesmente quer saber como andam os estudos, participe! O grupo conta com nomes que conviveram com o escritor e entusiastas da obra munidos de boas ferramentas querendo descobrir se a filosofia de Paulo Leminski ainda é pertinente e se ele era um homem ou simplesmente um mito dentro da livraria.

Capa da edição número 0 da Raposa Magazine com texto de Paulo Leminski

Versos de Circunstância, Carlos Drummond de Andrade

Parece que 2012 será um bom ano Drummondiano. O poeta de Itabira, desde o ano passado, tem recebido uma série de homenagens – como a iniciativa estilo Joyceana, dia D de Drummond, em outubro – e uma casa nova para as suas obras, com a editora Companhia das Letras que agora é responsável pela obra completa do gauche.

Em 2011 o Instituto Moreira Salles passou a ter a guarda de todo o acervo particular de Carlos Drummond de Andrade. O poeta era extremamente organizado e guardava cada rascunho, matérias publicadas e outros inúmeros souvenirs do seu dia a dia, o que, imagine, gerou muito material extra para o deleite de fãs.

Com o intuito de divulgar esse acervo o IMS começou a editar alguns livros específicos como o Versos de Circunstância – que devemos admitir ser uma de nossas belezuras favoritas por aqui – que reúne cadernos com versos muito particulares, assim como homenagens, dedicatórias e até brincadeiras com amigos de Drummond. O título carrega uma espécie de homenagem ao livro Mafuá do Malungo: Versos de Circunstância, de Manuel Bandeira – publicado na Espanha por inicicativa de João Cabral de Melo Neto – com versos que brincavam com amigos, estilos de outros poetas e afins.

O Versos de Circunstância é uma dessas peculiaridades de escritores que enche os olhos de felicidade. Editado com os fac-símiles dos cadernos de marca DeLuxe – um clássico dos cadernos espirais dos anos 50 – o livro mostra um poeta que brincava com as palavras em cada momento da sua vida, dando vida a muitos poemas de ocasião. Nesse abaixo, para a escritora Rachel de Queiroz, observe que não é somente um recado ou um conselho, há uma sonoridade especifica, escrita com cuidado para a amiga.

São no total 295 poemas, escritos entre 1951 e 1968, sendo que 229 nunca foram editados. Os cadernos são etiquetados e foram guardados com muito cuidado. Drummond pensava na posteridade, mesmo aclamado em vida, sabia que o grande reconhecimento só vem quando já há saudade.

Confira de perto Versos de Circunstância aqui na Joaquim e, como diz o slogan da campanha das novas edições do poeta, espalhe Drummond!

A mesa da Joaquim: Março, segunda semana

Dicas de livros sempre são ótimas, certo? Olha as dessa semana

Cine de Terror: Paul Duncan: Taschen – Uma compilação do cinema de Terror bem ao alto estilo da editora Alemã Taschen. Não somentes os melhores filmes mas na melhor qualidade de edição também! Em espanhol.

A Filosofia Contemporânea: Introdução CríticaWolfgang Stegmuller: Forense Universitária – Nesse livro o autor apresenta um representante de cada tendência filosófica contemporânea e tenta transmitir a visão de cada uma dela afim de facilitar o entendimento da área no século XXI.

O Ser e O Nada: Ensaio de Ontologia FenomenológicaJean-Paul Sartre: Vozes – Um das obras fundamentais de Sartre: ¨O homem está condenado a ser livre¨.

A Montanha Mágica: Thomas Mann: Nova Fronteira – Um clássico absoluto o livro reúne individuos de várias raças e credos num Sanatório na Suíça. Uma obra construída depois da Primeira Grande Guerra que metaforiza uma Europa doente.

O desafio do Olhar Fotografia e Artes Visuais: No período das vanguardas históricas Vol.1Annateresa Fabris: WMF Martins Fontes – Resultado de uma pesquisa realizada em bibliotecas de 4 países discutindo a relação entre fotografia e as artes visuais.

Com a palavra: Mulheres

¨Não se nasce mulher, torna-se mulher¨ Simone de Beauvoir

Mesmo que a data de 08 de março tenha sido marcada no ano de 1857 com a morte de mulheres trabalhadoras em Nova York, em protesto por melhores condições de trabalho, a figura feminina sempre teve suas representantes controversas, representações de força e coragem em várias áreas. Cada época da História documentada houveram mulheres firmes de suas convicções que deixaram um legado imensurável em escritos, pinturas, fotografia e em tantas outras áreas.

No Brasil, devido ao atraso em questão de publicações próprias, ensino formal e uma dominação masculina mais ferrenha, o pouco que se encontra sobre mulheres escrevendo no século XIX pode ser lido em livros como o belo trabalho Escritoras Brasileiras do século XIX, em dois grandes volumes organizados por Zahide Muzart e editado pela Editora Mulheres. Uma tarefa árdua de compilação que já caracteriza os sinais de vitalidade e necessidade de ruptura por parte das mulheres nesse período.

No século XX, com a Semana de Arte Moderna trazendo à tona a necessidade de mudanças para as artes e até comportamento, muitas mulheres despontaram com seus trabalhos. Desde Pintura, Literatura, Moda e indo até outros movimentos como os sindicais e etc, a Mulher já não queria ser uma figura simplória e queria estar lado a lado com os homens. Desse primeiro período já falamos de Pagu com o seu Parque Industrial (1933) inaugurando uma visão sobre o proletariado paulista e iniciando um novo momento para as mulheres escritoras.

A partir da década de 30 o número de mulheres se destacando cresceu ainda mais, muitos movimentos feministas floresciam e o papel da mulher diante a família ia contornando outros caminhos. No Brasil vamos ter mulheres fortes, mesmo que diferentes entre si, produzindo uma literatura intima e com incríveis identidades. E para começar é impossível não falar de Clarice Lispector.

Nascida na Ucrania a escritora veio cedo para o país e viveu boa parte de sua vida por aqui. Clarice escrevia para qualquer mulher, tamanho o teor de consciência feminina de seus livros. Diferente de Pagu, que escrevia sobre a mulher e o social, Lispector escrevia com o íntimo, tratando das questões mais existenciais do ser feminino. Em Paixão segundo G.H., por exemplo, ela consegue criar quase um tratado completo de uma mulher e o seu sentido de ser através de devaneios íntimos. A escritora tinha a capacidade de questionar sentimentos aparentemente banais com um profundidade muito tocante.


Enquanto Clarice Lispector era íntima e densa, Hilda Hilst era explosão pura. Dona de uma liberdade só dela, alcançou obras excelentes nas áreas que se propunha escrever: teatro, poesia e ficção. Em Fluxo-Floema, a primeira obra em prosa da escritora, há tudo de visceral que poucas mulheres haviam se dado ao luxo antes. São cinco textos num espécie de devaneio psicodélico onde tudo pode tomar rumos inesperados e Hilda se sentia muito à vontade de ora falar de sentimentos e logo usar uma linguagem mais escatológica para o leitor se desconcertar. A escritora ficou conhecida por sua intensidade poética, sedutora e ousada.


E falando de sedução nossa memória sempre encontra o nome da francesa Anais Nin, que carregava o conteúdo erótico aliado a uma psicanálise freudinana como um estilo seu. Com certeza, a franco-cubana foi uma forte referência a muitas escritoras do século XX por conseguir tratar o sexo na literatura sendo extremamente delicada. Em Delta de Vênus: História Eróticas a escritora recebeu uma encomenda misteriosa e construiu histórias sensuais que se passam num ambiente europeu-aristorático onde algumas crenças são quebradas através de experiências sexuais.

Aliás, a liberdade é uma das bandeiras flemulantes da maioria das escritoras que mais guardamos apreço. Desde Pagu, Clarice, Hilda e até Anais, que mesmo casada se manteve livre para outras relações como o famoso caso com Henry Miller. Mas talvez a maior representante do conceito libertário de viver tenha sido Simone de Beauvoir. A escritora francesa, que estudou filosofia e foi uma grande representante do Existencialismo, manteve durante boa parte de sua vida uma relação aberta com Jean-Paul Sartre, além de ser uma feminista convicta. Em A Mulher Desiludida, Simone traz em três novelas mulheres de meia idade em crises pessoais. Marcada pelo existencialismo carregava muito de si nas personagens e questionava o papel da mulher na sociedade, principalmente como a outra da relação e seu papel no meio familiar.

Como é difícil escolher apenas algumas mulheres sensacionais desse mundo de palavras! Ok, não vamos esquecer das incríveis poetisas que parecem falar com a gente ao pé do ouvido. As duas que escolhemos são reflexos e construções de tantas outras e você vai perceber como elas vão criando laços e vamos acabar relacionando muitas outras mulheres.

Elizabeth Bishop era americana mas quando chegou ao Brasil para passar um breve feriado acabou ficando por cerca de 20 anos, apaixonada pela arquiteta Lota de Macedo Soares. Bishop foi a porta voz de muitos poetas brasileiros traduzindo grandes nomes como Carlos Drummond de Andrade e João Cabral de Melo Neto. Sua poesia, escrita em língua inglesa, era cheia de sentimento e bastante autobiográfica. No Brasil escrevia belos poemas sobre a paisagem e a forma que via as festas e o comportamento do povo.

A brasileira Ana Cristina Cesar também era uma poetisa apaixonada. Mas diferente de Bishop, que tinha uma leveza e otimismo nas palavras, Ana já era mais confessional e parecia que levava até as últimas consequências suas palavras. Foi uma das representantes da poesia marginal e seu estilo se construiu quando ficou um período fora e voltou contaminada pela poesia de Sylvia Plath e Emily Dickinson, levando sua influência até as últimas consequências, cometendo suicídio em 1983.

Todas as mulheres que citamos – reiterando que deixamos muitas de fora – percebe-se uma força além. Todas carregavam um estigma que faziam questão de expor em palavras ora densas, ora frias, sentimentos elevados em últimos graus. Mulheres que abdicaram de planos de vida perfeitos para doarem suas vidas à uma arte que aliviava suas angústias: a arte da palavra.

Difícil mesmo enumerar todas essas figuras incríveis que fazem nossa imaginação ir longe em tantos momentos. Que não somente em datas específicas, com uma motivação tão triste, possamos para observar, ler e lembrar de mulheres incríveis.

“A arte de perder não é nenhum mistério
tantas coisas contém em si o acidente
de perdê-las, que perder não é nada sério.
Perca um pouco a cada dia. Aceite austero,
a chave perdida, a hora gasta bestamente.
A arte de perder não é nenhum mistério.
Depois perca mais rápido, com mais critério:
lugares, nomes, a escala subsequente
da viagem não feita. Nada disso é sério.
Perdi o relógio de mamãe. Ah! E nem quero
lembrar a perda de três casas excelentes.
A arte de perder não é nenhum mistério.
Perdi duas cidades lindas. Um império
que era meu, dois rios, e mais um continente.
Tenho saudade deles. Mas não é nada sério.
Mesmo perder você (a voz, o ar etéreo, que eu amo)
não muda nada. Pois é evidente
que a arte de perder não chega a ser um mistério
por muito que pareça (Escreve!) muito sério.” (Elizabeth Bishop)

A mesa da Joaquim: Março, primeira semana

Terceiro mês do ano. De fato, hora de engrenar, né? Essa semana belezuras para todos os gostos, confere aí embaixo:

Burocracia e Sociedade no Brasil Colonial: O tribunal de relação da Bahia e seus desembargadoStuart Schwartz: Companhia das Letras – Para entender como se formou as classes dominantes no Brasil, tecendo cada detalhe da formação social desde a colônia.

Peanuts Completo Volume I: Tiras diárias e dominicais de 1950 a 1952Charles M. Schulz: L&PM – O clássico de Charlie Brown e sua turma em belas edições com posfácio de várias personalidades.

O Atelie de Giacometti Jean Genet: Cosac Naify – A visão – com fotos belissimas de Ernst Scheidegger – do amigo Genet sobre a obra de Giacometti.

A Psicanálise dos contos de fadas: Bruno Bettelheim: Paz e Terra – Uma verdadeira dissecação dos sentidos nos contos de fadas. Afinal eles nos acompanham por boa parte da infância, o que há por trás delea?

Ganhando meu Pão: Maksim Górki: Cosac Naify – O segundo volume da trilogia autobiográfica do russo, cheio de amor pela literatura.

A Sociedade do Espetáculo: Guy Debord: Contraponto – Um livro obrigatório para aqueles que gostam de uma boa crítca cultural. Debord vai mais além!

O que é Literatura?: Jean-Paul Sartre: Atica – Livro rarissimo, uma visão bem existencialista sobre a literatura. Sim, o autor deve ter opinião sobre o que escreve!

A mesa da Joaquim: Fevereiro, última semana

Última semana de fevereiro e separamos algumas coisas muito legais que chegaram por esses dias. Um pouco de tudo, veja aí embaixo:

A Linguagem CinematográficaMarcel Martin: Brasiliense – Um livro indispensável para quem gosta de Cinema. Uma obra completa que te dá todas as bases para entender a sétima arte.

Vidas dos ArtistasGiorgio Vasari: WMF Martins – Considerada a obra inaugural da história da arte essa edição reproduz na integra a versão de 1550. Perfeito para se familiarizar com a arte italiana e Renascimento com seus protagonistas.

Minima MoraliaTheodor W. Adorno: Azougue Editorial – Um clássico do pensamento europeu do século XX. Muitos aforismos desse pensador.

O Herói de Mil Faces: Joseph Campbell: Pensamento – Campbell é o maior estudioso na área de mitos e heróis e neste livro ele apresenta toda a composição do herói em várias mitologias e sociedades.

Diários: 1947-1963 Susan Sontag: Companhia das Letras – Sontag detalha pensamentos, suas leituras e as pontuações que levariam ela fortalecer seu modo de ver o mundo, a família e o sexo.

Odisséia: Homero: Hedra – O clássico poema época que narra as aventuras de Odisseu ao voltar a terra de Troia. Leitura obrigatória

Pedras de Calcutá: Caio Fernando Abreu: Agir – Contos do escritor que mostrava em seus textos o que era viver e sofrer de viver. Escrito para a geração que cresceu percebendo a mordaça da políticas.